terça-feira, 19 de outubro de 2010

Reconhecer é (a)creditar!

O Sistema Nacional de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (R.V.C.C.), surgiu em Portugal no ano 2000 e, possibilitou a uma grande percentagem da população portuguesa elevar os seus níveis escolares, que eram francamente baixos. Muito para além das competências escolares, o RVCC, permite a um grande número de pessoas demonstrar os conhecimentos adquiridos e as aprendizagens efectuadas, em contextos não só Formais, como Informais e Não-Formais. Assim, este sistema multidimensional não despreza os diversos âmbitos de aprendizagem, face à escola e faculta uma certificação de equivalência escolar. É, de forma gradual que, conhecendo e desenvolvendo aspectos (relatos biográficos) da sua história de vida, que a sua autobiografia vai tomando sentido, ou melhor, um sentido mais claro e consciencializador de si, dos outros, do mundo. Neste processo tomam-se como referência áreas centrais, consideradas como básicas na vida de qualquer cidadão/ã, e que são desenvolvidas nas histórias de vida, fazendo reflexo de quando, onde, com quem, como e porquê ocorreram essas aprendizagens que, postas em prática, se transformam em competência adquirida.
A metodologia subjacente ao Processo de RVCC é, para além do Método Biográfico, que se desenvolve através da elaboração da autobiografia reflexiva (pelo/a adulto/a em processo), o Balanço de Competências (que vai sendo feito quer pelo/a adulto/a quer pela equipa que dinamiza e acompanha o desenvolvimento do processo) e, que ocorre durante todo o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. Desta forma, ao socorrermo-nos de instrumentos de mediação que tornam a linguagem dos Referenciais de Competências-chave mais acessível aos adultos, vamos possibilitando o desenvolvimento da História de Vida de cada adulto/a para que ele/ela se aperceba da real importância de cada trajecto por si percorrido, da influência que teve na vida dos outros e que a sua própria existência também sofre influência dos outros.
O Sistema, num espaço de dez anos, já conheceu três tutelas diferentes, desde a Agência Nacional para a Educação e Formação de Adultos (ANEFA), a Direcção Geral de Formação Vocacional (DGFV) e a actual tutela, Agência Nacional para a Qualificação (ANQ, I.P.) e já sofreu várias alterações que são, obviamente, fruto das diversas mudanças quer ao nível político, normativo e, consequentemente, processual.
Na minha opinião que este não é um processo para todas as pessoas, é mais uma das várias saídas que existem neste momento ao dispor dos portugueses que têm a sua escolaridade incompleta. O RVCC não se opõe à Escola, pelo contrário, apenas deriva de um modelo diferente, o da Aprendizagem ao Longo da Vida, logo e apesar de fazer uso das competências escolares, as equipas não podem, por força da imposição do actual sistema e da pressão de atingir as metas, certificar pessoas que não têm as competências necessárias, à luz dos Referenciais de Competências-chave. Não creio que se possa chamar a isto educação de adultos, chamemos-lhe apenas aquilo que de facto é, certificação de adultos. Da mesma maneira, o processo, tal como foi entendido pelos seus criadores (nacionais e estrangeiros) não era para ser massificado como está actualmente em Portugal (situação eventualmente justificada por uma elevada taxa de não qualificação da nossa população activa). Senão vejamos: se uma pessoa está em processo e no decurso do mesmo, através do Balanço de Competências, se verifica que as suas competências são insuficientes, isto é, se se constata que o adulto/a tem necessidade de efectuar aprendizagens que, mais tarde, se poderão traduzir em competências (dependendo se o adulto põe em acção os conhecimentos adquiridos), não se pode antecipadamente certificar este adulto/a.
Outro aspecto que constrange diariamente o trabalho desenvolvido com os adultos são os aspectos técnicos e burocráticos que roubam muito do tempo que deveríamos dedicar ao acompanhamento presencial que fazemos individualmente aos adultos em processo.
O que seria suposto estarmos a fazer, vai muito para além daquilo que nos impõem, isto é, a dimensão pessoal tem de ser a principal via, sem desprezo pelas dimensões escolares, formativas e profissionais, através da qual as pessoas se conhecem e compreendem e devolvem ao/s outro/s a possibilidade de crescerem juntas.
A partilha de experiências, a exposição colectiva de dúvidas, até o “exorcismo” de fantasmas internos são, ao mesmo tempo, benéficas para a tomada de consciência mas também para o crescimento e enriquecimento mútuo. Este é um processo conjunto entre o/a adulto/a, o/a profissional de RVC e a restante equipa, que deve respeitar os ritmos individuais, potenciar os pontos fortes de cada um e tentar melhorar os pontos menos fortes através da análise crítica de si mesmo. Em simultâneo, dever-se-á fazer a ponte entre os Referenciais de Competências-chave de forma a desocultar as competências na história de vida de cada pessoa, sem deixar de valorizar tudo o que cada pessoa foi, é e poderá ser, bem como a importância (histórica, social, política) que as suas histórias de vida representam.
Eu sou uma defensora deste sistema, caso contrário não poderia trabalhar nesta vertente, mas confesso que, discordo de alguns aspectos (acima descritos) e que são inerentes ao mesmo. No exercício das minhas funções, sempre dei mais importância à qualidade do que à quantidade e, acredito profundamente que, as equipas que se encontram a trabalhar nestes quase 500 CNO’s de Portugal, têm (ou podem ter) um papel fundamental para que o Processo RVCC não seja desvirtuado, e contribua para a efectiva melhoria da qualificação dos Portugueses e para um bom reconhecimento social do mesmo.

Nélia Tavares
Técnica de RVC
Centro Novas Oportunidades
Escola Secundária de Loulé

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